sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

MENTES INQUIETAS, CORAÇÕES EM PERIGO.




PODCAST SAÚDE EM JOGO 

SAÚDE MENTAL E PREVENÇÃO  DO SUICÍDIO








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SUICÍDIO DE CRIANÇAS E JOVENS


“Esse tema do suicídio entre os jovens é algo arrebatador. É uma experiência singular. Conversar com o jovem e ele discorrer abertamente, sem emoções, sobre as vantagens de meter uma bala na cabeça, que resolve tudo, tá tudo solucionado... realmente é algo que me toca.  Se me perguntam: na época existia esse problema focado nos jovens, não havia isso. As faixas etárias estavam mais para 30, 35 anos. É impressionante. Às vezes me perguntam: o que dizer aos jovens? O que comunicar ao jovem? Eu resumiria no seguinte. Me dirigindo ao jovens , por desmotivação (não sei), por desencanto (também não sei), que estão nessa conspiração que pode levá-los ao suicídio. O que eu posso dizer. O sofrimento de vocês, meus jovens, o desencanto que vocês estão experimentando face à uma sociedade que está em ruína, tudo isso me cala profundamente no coração. Há dois meses atrás em São Paulo matou-se aquele jovem e deixando na sua carta de despedida: “Era uma opção”.  Elegera como opção o suicídio. Não tinha problema, não havia conflitos, se dava bem com os pais e com os amigos. Era uma opção. Uma opção...  E no dia seguinte um outro jovem se jogou de um prédio ali nos arredores do Paraíso. Me fez lembrar Werther , de Goethe, que desencadeou aquela onda de suicídios pela Europa inteira. O que dizer ao jovem?  Só posso dizer que estou sofrendo muito  com isso. Muito mesmo. Se querem um realmente um conselho, eu não posso dar. E vocês  sabem porquê. Mas me lembraria de Gonzaguinha. “Fé na vida, fé no homem, fé no que virá. Nós podemos tudo, nós podemos mais. Vamos lá fazer o que será”. E que Deus nos proteja”.  Jacques Conchon. 

Sorocaba, 14 de outubro de 2017. Programa Compartilhe com o CVV. TV Com. 


20 ANOS DE PREVENÇÃO PARA A INFÂNCIA

Em 1997, a Befrienders International, uma agência global de prevenção ao suicídio com serviços de linha direta por telefone em 41 países, tem a oportunidade de desenvolver um novo programa para a infância. Eles decidem desenvolver um programa que dá às crianças as habilidades para lidar com situações difíceis e estar mais bem preparadas  para lidar com crises e dificuldades, como acontece com adolescentes e adultos. O “Reaching Young Europe”, é desenvolvido por um grupo de psicólogos do Canadá, Dinamarca, Noruega e Holanda. É um programa instalado nas escolas para ensinar habilidades sociais e de enfrentamento saudáveis a crianças de seis e sete anos. Em 1998, a Dinamarca executa o primeiro piloto. Os resultados iniciais são promissores, mas não bons o suficiente para que o programa seja desenvolvido. Em 2000, a nova versão do programa é testada na Lituânia e na Dinamarca e encontra um impacto significativo nas habilidades de enfrentamento das crianças. Em 2001, a Partnership for Children é fundada como uma instituição filantrópica. Em 2002  “Reaching Young Europe” é renomeado “Zippy's Friends” (Amigos do Zippy”) e lançado internacionalmente. Em 2003, surge o primeiro parceiro fora da Europa, quando Zippy's Friends é aplicado na Índia e no Brasil. Em 2007, escolas na Noruega participam de  primeiro teste de controle de Zippy's Friends. Em 2013, Zippy's Friends for Special Educational Needs and Disabilities é ampliado. Em 2014, mais de 1 milhão de crianças em mais de 30 países participaram do Zippy's Friends. Em 2016, o Friends da Apple para crianças de 7 a 9 anos é lançado. Em 2018, e lançado o passaporte para crianças de 9 a 11 anos. Em 2020 os cursos de treinamento passam a ser online e materiais disponíveis para download digital. Em 2021,  é lançada a resiliência SPARK para crianças de 10 a 12 anos. A Partnership for Children comemora 20 anos e alcança dois milhões de crianças em todo o mundo! 

Fonte: www.partnershipforchildren.org.uk/who-we-are/our-history.html




 Em 1977, um juiz do tribunal juvenil de Seattle, preocupado em tomar decisões drásticas com informações insuficientes, concebeu a ideia de cidadãos voluntários defendendo os melhores interesses de crianças abusadas e negligenciadas que surgiam no tribunal. A partir desse primeiro programa, cresceu uma rede de quase 1.000 CASA e programas ad litem de guardiões que estão recrutando, treinando e apoiando voluntários em 49 estados e no Distrito de Columbia. Pulaski County CASA começou a servir crianças em 1987 em Little Rock, Arkansas, Sexto Distrito Judicial. No ano passado, a CASA do Condado de Pulaski atendeu 240 crianças com 100 defensores.

DEPOIMENTO DE UM GUARDIÃO

Quando penso em suicídio, penso nas mães que conheço que perderam filhos para o suicídio. Eles nunca param de sofrer. Elas choram pela criança que perderam. Elas lamentam a vida inacabada. Elas lamentam a possibilidade de terem perdido um sinal e poderiam tê-lo impedido. E elas lutam. Eles lutam para garantir que os outros estejam cientes dos perigos do suicídio, falam na esperança de que outras mães não experimentem o luto com o qual vivem e falam sobre suicídio mesmo que isso deixe os outros desconfortáveis.

Esta noite, tenho uma mãe assim no meu coração – Dena Daniel. Ela faleceu este fim de semana e estou de luto por sua perda. Eu conheci Dena quando ela treinou para se tornar uma Advogada da CASA. Ela era feroz. Ela era poderosa. Ela era a voz de várias crianças em um orfanato. Mesmo sendo uma coisinha, ela se certificou de que a voz das crianças fosse ouvida. Ela lutou pelos melhores interesses deles e garantiu que eles recebessem tudo o que precisavam. Ela amava as crianças que defendia. Ela foi incrível. E ela era minha amiga.

No verão passado, sua filha Audra cometeu suicídio. Foi um golpe que poderia derrubar qualquer mãe. Isso a tornou mais forte. Não me entenda mal, eu sei que isso a destruiu também. Mas como mencionei anteriormente, Dena era feroz. Então, ela assumiu a luta para garantir que os outros estivessem cientes do perigo do suicídio.

Dena recentemente compartilhou estas palavras poderosas de Elisabeth Kubler-Ross em seu Facebook: A realidade é que você vai sofrer para sempre. Você não vai “superar” a perda de um ente querido; você aprenderá a conviver com isso. Você se curará e se reconstruirá em torno da perda que sofreu. Você será inteiro novamente, mas nunca mais será o mesmo. Nem você deve ser o mesmo nem gostaria.

Aprendi muitas coisas com Dena, uma delas é que o suicídio precisa ser abordado, não enfiado no armário. Não tenha medo de falar sobre suicídio. Não tenha medo de perguntar a alguém se está pensando em suicídio. Procure os sinais de alerta. Então, em memória amorosa de Dena e sua Audra, vamos falar sobre suicídio.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 1 milhão de pessoas morrem a cada ano por suicídio. Ao estar disposto a falar abertamente e procurar sinais de alerta, você pode ajudar alguém com pensamentos ou intenções suicidas a se conectar com recursos.

Que sinais você procura? Os sinais podem ser muitos e variados – alguém ameaçando se machucar, buscando acesso a armas, postando nas redes sociais sobre cometer suicídio, falando sobre sentir-se desesperançado ou deprimido, aumento do uso de álcool ou drogas, atuação imprudente, mudanças nos hábitos de sono, autocontrole, isolamento, afastamento das atividades normais, mudanças extremas de humor.

Existem também fatores de risco que aumentam a probabilidade de suicídio. De acordo com Youth.gov, as crianças em lares adotivos eram quase três vezes mais propensas a ter considerado suicídio e quase quatro vezes mais propensas a tentar suicídio do que aquelas que nunca estiveram em lares adotivos. Outros fatores de risco incluem, mas não estão limitados a – transtornos mentais, transtornos por uso de álcool e substâncias, histórico de trauma, doença física grave, perda de emprego ou relacionamento, tentativas anteriores de suicídio.

O que você pode fazer? Estenda a mão e verifique alguém com quem você está preocupado. Pergunte sobre suicídio. Ouça e ofereça esperança. Ajude a fazer um plano de segurança. Ajude a navegar nos cuidados de saúde mental. E se você estiver pensando em suicídio? Estenda a mão para alguém. A ajuda está disponível. O National Suicide Prevention Lifeline está disponível 24 horas por dia em 800-273-8255


PREVENÇÃO DEVE COMEÇAR NA INFÂNCIA


No mês de conscientização sobre o suicídio, especialistas falam da importância de acolher crianças e adolescentes e conversar sobre o tema

Bethânia Nunes. 20/09/2020. METRÓPOLES 

Falar sobre morte e suicídio ainda traz desconforto para a sociedade, seja por uma questão cultural, seja por medo ou por não saber como lidar com eles. No mês de prevenção ao suicídio, com foco nos cuidados com a saúde mental, especialistas ressaltam a importância de pais abordarem o assunto com crianças e adolescentes para levar esclarecimento e perceber pedidos de socorro.

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), o suicídio é a terceira principal causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos no mundo, e as consequências de não abordar o assunto se estendem à idade adulta, prejudicando a saúde física e mental e limitando futuras oportunidades.

As condições de saúde mental são responsáveis por 16% da carga global de doenças e lesões em pessoas com idade entre 10 e 19 anos. Metade dessas condições começa aos 14 anos, mas a maioria dos casos não é detectada ou tratada. A depressão aparece como uma das principais causas de doença e incapacidade entre adolescentes de todo o mundo.

No Brasil, o último boletim epidemiológico de tentativas e óbitos por suicídio, do Ministério da Saúde, publicado em 2018, mostrou 13.463 óbitos por suicídio registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) naquele ano. Desses, 1.053 foram entre crianças e jovens com até 19 anos. Entre os adultos, na faixa etária de 20 a 39 anos, foram registrados 5.150 óbitos por suicídio.

Atualmente, existem 2.657 Centros de Atenção Psicossocial no país, que ofertam acolhimento e assistência às pessoas com transtornos mentais, incluindo depressão e ansiedade. Nesses locais, há tratamento e acompanhamento contínuo por meio de cuidado individual e em grupos, além de terapia medicamentosa.

A médica pediatra e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) Lílian Cristina Moreira explica que não existe um padrão ou momento pré-estabelecido para tratar do assunto, mas ele deve ser conversado quando partir da própria criança, como uma maneira de acolhimento.

Elas costumam ter consciência da morte e a capacidade de compreensão entre os 4 e 7 anos. “Não falar é pior, porque, se ao tocar no assunto os pais recebem com angústia, ansiedade ou tentam minimizar, desqualificar ou postergar, a criança pensa: ‘Esse assunto incomoda, isso é um problema, deve ter alguma coisa errada nisso'”, afirma.

De acordo com a pediatra, conversar sobre morte não piora a temática. “Pelo contrário, abre-se um espaço na família para aquele tema ser acolhido e tratado de uma forma natural, porque mostra que o nascer e o morrer fazem parte do ser humano.”

O psicólogo clínico Fernando Mancilha explica que algumas crianças muito novas não entendem a morte como um processo definitivo e, por isso, o assunto deve ser abordado aos poucos. A partir dos 3 anos, contudo, já é possível mostrar de maneira concreta a noção de finitude. Como, por exemplo, plantar um feijão e mostrar o ciclo da vida ou conversar sobre o assunto quando um animal de estimação morre.

“Nessa idade, o pequeno tende a achar que as coisas são mais mágicas e reversíveis. Para eles, as coisas podem ser revertidas. É a partir dos 6 anos que a criança começa a entender melhor a morte como uma coisa definitiva. Nessa idade já dá para conversar de uma maneira mais clara”, explica o psicólogo.

Para Mancilha, os adultos precisam desmistificar a ideia de que crianças não cometem suicídio. “Por ser mais raro, em geral, as pessoas não ficam atentas. A gente deve observar os pequenos com os mesmos olhos e cuidados oferecidos aos adolescentes”, sugere.

O documento Prevenção do Suicídio – um recurso para conselheiros, da Organização Mundial da Saúde (OMS) – esclarece os principais mitos sobre os comportamentos suicidas. Entre eles, está a falsa percepção de que crianças não cometem suicídio, pois não entendem a finitude da morte e por isso são cognitivamente incapazes de se matarem. “Embora seja raro, as crianças cometem suicídio, e qualquer gesto, em qualquer idade, deve ser levado muito seriamente”, diz o relatório.

O documento também destaca como mito o fato de as pessoas que ameaçam se suicidar quererem apenas chamar a atenção. “Toda fala sobre fazer mal a si mesmo deve ser levada muito a sério”, diz a OMS. De acordo com Mancilha, por muitos anos, essa ideia teve força, principalmente quando se tratava de adolescentes. Hoje, essa abordagem é vista como erro grave pelos profissionais de saúde. “Quando alguém menciona o assunto pessoalmente ou nas redes sociais, deve-se observar e conversar. Dependendo do caso, deve-se levar a pessoa para um profissional de saúde avaliar a situação”, completa.

Segundo a pediatra Lilian Cristina Moreira, fatores relacionados à pandemia da Covid-19 contribuem para o aumento de casos nessa faixa etária, como o estresse familiar devido ao isolamento, a maior exposição às telas de aparelhos eletrônicos durante o período em casa e o cyberbullying.

Além disso, existem fatores comportamentais da família que corroboram para as pessoas serem mais ansiosas, deprimidas e chegarem a cometer o suicídio. Nessa lista estão a falta de incentivo de vida; tendência a se abaterem e se desmotivarem; estilo de vida familiar propenso à depressão, com pessoas mais negativistas e pessimistas; estresse tóxico na infância; violência física e mental; desqualificação mental; cobranças excessivas; e histórico de abuso sexual.

Sinais de alerta

Os pais devem ficar atentos aos comportamentos extremos, como crianças muito agitadas ou paradas demais; modificação no apetite; demonstrações de baixa autoestima; transtorno de imagem corporal; distúrbios do sono – muita sonolência, insônia ou sono de vigília; humor muito instável com irritabilidade constante ou apatia – quando o indivíduo evita o contato com outros familiares ou amigos. Todos esses fatores podem ser sintomas de depressão.

Ao notar algum desses quadros, os responsáveis devem procurar um pediatra para investigar o que pode estar provocando tais comportamentos. O profissional vai avaliar a criança como um todo e identificar se é um distúrbio físico e hormonal. “A gente não pode deixar o quadro evoluir muito porque às vezes você vai descobrir quando a criança já está se machucando, se cortando”, alerta a pediatra da SBP.


JOVENS PREVENINDO O SUICÍDIO


Em 2010 o Conselho Nacional de Justiça havia patrocinado uma campanha denominada Justiça na Escola tendo como destaque a publicação e distribuição de uma cartilha de prevenção e combate ao bullying em todo o território nacional. O material impresso e também disponibilizado em formato digital atingiu praticamente toda a rede escolar e tornou-se referência para a mudança de comportamento de educadores, pais e alunos, já que informava que o bullying era considerado crime.  Essa publicação também despertou o interesse entre os voluntários educadores da prevenção, pois sabíamos através de outros estudos que o bullying estava ligado diretamente a 80% dos casos de suicídio entre crianças e jovens. A partir dessas informações elaboramos com o CVV uma cartilha Falando Abertamente sobre Suicídio, com o objetivo de quebrar o tabu da abordagem do tema suicídio nessa faixa etária. O material foi disponibilizado em formato digital e passou ser replicado em formato gráfico pelos postos do CVV e também por entidades interessadas em participar da campanha informativa. 


Jornal santista notícia morte de adolescente em São Vicente-SP. Casso teve repercussão nacional.


O suicídio entre crianças e adolescentes não é assunto estranho para os pesquisadores e profissionais de saúde mental. Também não é novidade para os voluntários que atuam na prevenção por meio da relação ajuda humanitária, existente em muitos países há mais de meio século. Entretanto, especialistas e voluntários admitem que o aumento de casos nessa faixa etária nas duas últimas décadas tem sido algo assustar e preocupante. Se o suicídio de adultos já é algo que foge aos nossos padrões de entendimento e compreensão, a morte de crianças e jovens por esse meio violento é sempre chocante e muito entristecedor. Em 1969 o CVV foi tema de uma extensa reportagem da revista Realidade e na matéria já era citado que o suicídio de crianças na Europa era muito alto e motivo de preocupação com das autoridades médicas. Nesta última década, em função dessas estatísticas, começaram a surgir na América do Norte e Europa as primeiras ONGs  voltadas exclusivamente para  prevenir  suicídios entre crianças e jovens. Além do conflito de gerações, atualmente as crianças e jovens do mundo inteiro são atingidos por graves problemas emocionais que antes aparentemente só atingiam os adultos.  Ansiedade, depressão, bullying, questões sexuais e de gênero e muitos outros conflitos de relacionamento têm provocado sofrimento intenso e o suicídio faixa etária.   Dos mais de  800 mil suicídios ocorridos por ano no mundo, pelo menos 8,5% são de crianças e jovens que não conseguem ajuda para lidar com suas dificuldades. Os dados são da Organização Mundial de Saúde-OMS.  No Brasil essas taxas de suicídio tiveram um crescimento de 12% nos últimos dez anos. As famílias e pessoas próximas das vítimas também passam a sofrer intensamente os efeitos psíquicos e sociais desses casos: remorso, culpa, preconceito e até discriminação. 

 


Cartilha de prevenção dirigida para jovens


Em 2014 surgiu na Rússia o fenômeno da Baleia Azul, um jogo de ambiente virtual criado para seduzir e levar crianças e jovens ao suicídio. Não foi propriamente  uma novidade, porém teve uma grande repercussão por causa da amplitude das redes sociais entre crianças e adolescentes. Nessa nova cultura do espaço cibernético, crianças e jovens solitários e em crise emocional se sentem muito mais adaptados do que em seus lares, escolas e lugares onde frequentam fisicamente. Nos próprios ambientes físicos, há entre eles uma exacerbação da violência por meio do bullying e dos jogos de desafios, nos quais o coroamento é assumir ações de alto risco como prender a respiração, desafiar a gravidade, abusar de substâncias químicas e alucinógenas para demonstrar força, coragem e resistência. E para os mais sensíveis e fracos, a prática introspectiva da automutilação, pelos cortes (cutting).  Foi também no ambiente virtual, pelos canais instalados na internet,  que explodiu o hábito jovem de cultuar filmes e acompanhar séries dramáticas que tratam das suas grandes questões intimas e dificuldades sociais.  O canal Netflix foi o destaque mais recente dessa onda quando exibiu a famosa série “Os 13 Porquês”, mostrando a trajetória de uma jovem suicida, alcançando altos índices de audiência. A série se propagou em 2017, simultaneamente ao retorno do jogo da Baleia Azul, agora como  propaganda sensacionalista. Até mesmo o livro que deu origem a série, que havia passado despercebido dez anos antes, foi rapidamente reeditado e fartamente ofertado, exibindo na nova capa uma conhecida cena da série do Netflix.  A série bateu recordes de audiência, reacendeu polêmicas sobre a abordagem do tema suicídio e teve que passar por um reajuste de conduta midiática que incluiu a oferta de apoio emocional do CVV. Procurado por vários órgãos de imprensa para dar um parecer, o CVV emitiu na época uma nota resumindo os efeitos da série nas buscas aos diversos canais de ajuda do CVV. As informações foram selecionadas e organizadas pela agência LVBA Comunicação:  

“Depois da estreia da série 13 Reasons Why, subiu 445% o número de e-mails com pedidos de ajuda recebidos CVV. Houve alta ainda de 170% na média diária de visitantes únicos no site. A maioria das pessoas que  buscou atendimento nos canais do CVV nesse período era jovem e se identificava com a dor da personagem principal. No site do CVV a média diária de 2,5 mil visitantes únicos saltou para 6.770 em abril – a série foi lançada em 31 de março. Depois que a série foi alvo de críticas nas redes sociais, houve pico: 9.269 pessoas visitaram o site. Em relação aos e-mails, entre 1º e 10 de abril, o CVV registrou 1.840 mensagens, antes 635 no mesmo período de março. De uma média de 55 e-mails diários que chegam ao CVV, nos primeiros dez dias de abril esse número cresceu para mais de 300. Ao menos cem pessoas mencionaram a série”.

 

JOVENS FALANDO COM JOVENS

Atuar entre os jovens e trocar experiências com o setor educacional já fazia parte das metas dos ativistas da prevenção há alguns anos, porém a oportunidade de efetivar essa ideia surgiu quando educadores voluntários da Baixada Santista foram tocados por notícias de suicídios de crianças e jovens naquela região. Ao receber solicitação de ajuda e esclarecimento aos órgãos de imprensa,  os voluntários decidiram dar início a algumas ações práticas e formatar um programa acessível, que pudesse ser utilizado por escolas e grupos que reúnem crianças e adolescentes. O trabalho começou com palestras e debates em ambientes escolares, seguido de experimentação com as rodas de conversa e aplicação adaptada dos princípios e práticas do CVV.

 Em 2016 o fenômeno midiático mundial da Baleia Azul estava se alastrando e causando danos em algumas regiões no Brasil. A imprensa noticiou vários casos de suicídio estimulados por jogos virtuais.  No Estado de São Paulo, a Secretaria de Estado da Educação soube que em uma das suas unidades já estava em funcionamento um projeto experimental de prevenção ao suicídio e procurou imediatamente os organizadores. A ideia era conhecer  e divulgar essa experiência sugerindo sua aplicação em toda rede estadual de ensino. Era o Programa Estação Amizade, testado por nós (autor) na E.E. Margarida Pinho Rodrigues, com mais de 1500 alunos; e também em um núcleo de aprendizagem profissional – CAMP Rio Branco, com 400 jovens aprendizes, ambos na cidade de São Vicente-SP.  Além do registro em vídeo e divulgação na rede oficial de ensino, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo concedeu ao programa Estação Amizade o selo “BOAS PRÁTICAS”, reconhecimento que vem gerando interesse por parte de muitas escolas de todo o País.  

Dessa experiência de contados e relatos entre jovens e educadores veio nesse mesmo período a ideia de produzir um livro contando em formato de trama literária alguns desses relatos.  Surgiu então  “Estação Amizade – Dez jovens lutando contra o suicídio”. O livro passou a servir de base ilustrativa para que os jovens possam se identificar com os personagens e percebam que os que estão passando não é algo incomum ou uma anomalia. Poderia servir também como aplicação do programa quando alguns trechos passam a ser encenados e debatidos; ou então funcionando como pretexto para as reflexões nas rodas de conversa.  O narrador do livro é um dos jovens protagonistas e revela o universo do suicídio para os leitores. Algum tempo surgiram outras experiências mais abrangentes como o uso estudo sistemático do livro como ferramenta de apoio a jovens sobreviventes do suicídio. Os encontros semanais eram mediado por educadores e psicólogos. Em alguns dessas experiências o autor foi convidado a participar do encerramento dos encontros explicando aos participantes como construiu  a estrutura do livro , as tramas, perfil e o contato entre os personagens. Estação Amizade foi produto de um roteiro de documentário planejado para refletir sobre o suicídio  de um colega de um grupo de jovens próximos da filha do autor. O cenário eram os encontros desses jovens nas estações do VLT entre São Vicente e Santos, que em 2016 estava funcionando em caráter experimental e com acesso gratuito. O documentário não foi realizado, porém o esboço do roteiro foi adaptado para os capítulos do livro que hoje já está na segunda edição. 

A capa e o cenário principal do livro que concretizou a construção do Programa Estação Amizade

O autor conversando com jovens sobreviventes sobre personagens e situações narradas no livro. 


 As atividades nas duas escolas citadas, por meio de palestras e rodas, foram seguidas de novas ações como a ocupação de espaços sociais através eventos de sensibilização da opinião pública. Iniciamos gradualmente nesses espaços escolares citados a capacitação de jovens para acolher e ajudar outros jovens por meio de conversas de ajuda, de forma simples e amiga, sem pretensões de aconselhamento. Visitas a museus e galerias de arte também fez parte dessa estratégia de iniciação ao tema da prevenção do suicídio. Era uma adaptação escolar do PSV- Programa de Seleção de Voluntários do CVV.   Foi criado também o “Minicurso Saber Ouvir”, ministrado pelos voluntários educadores a pequenos grupos de estudantes  com a intenção de transformá-los em agentes multiplicadores.  Jovens ensinando jovens as primeiras noções de prevenção do suicídio.  Para a surpresa dos educadores, assuntos complexos e procedimentos de difícil assimilação comportamental – no campo da abordagem e experiência de prevenção entre os adultos - foram rapidamente compreendidos e aplicados pelos jovens. Experiências didáticas que levavam até oito semanas para serem transmitidas aos voluntários do CVV passaram a ser expostas aos jovens em apenas alguns minutos, simplificadas em slides que eles mesmos passaram a interpretar e explicar com suas próprias vivências. Os jovens atuam sozinhos, duplas ou em grupo, para expor ideias e conceitos sobre oferta de amizade e prevenção do suicídio.  Realizam também as rodas de conversa, com regras específicas para exploração e reflexão sobre seus sentimentos e emoções.

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (SEDUC-SP)- com 250 mil professores e mais de 4 milhões de alunos- registrou novamente a experiência do Programa Estação Amizade no evento Setembro Amarelo, no módulo “Boas Práticas”, selecionado entre 5.200 escolas da rede pública estadual. Neste evento o relato feito pelos educadores da EE Margarida Pinho Rodrigues e disponibilizado na Biblioteca de Vídeos Rede do Saber e no Youtube. Em 2019 a SEDUC-SP aderiu à Campanha do Setembro Amarelo incorporando ao seu projeto educacional permanente os eventos de conscientização  e um projeto denominado  “Percurso Formativo Valorização da Vida: Considerações sobre o Suicídio”, que tem como foco subsidiar a rede de ensino para a reflexão sobre o suicídio com toda a comunidade escolar. No site da Escola de Formação dos Profissionais da Educação Paulo Renato de Souza foi disponibilizado um conjunto de materiais em 5 etapas, contendo 2 pautas formativas sobre as vulnerabilidades: os sinais de alerta, a prevenção e a posvenção do suicídio. Órgãos educacionais e municipais de  várias regiões do Brasil também realizaram ações semelhantes gerando um aumento de demandas de colaboração do CVV aos seus respectivos projetos.  Em 2020, em função do retorno escolar pós- pandemia o CONVIVA, núcleo da SEDUC SP, incluiu no seu documento norteador o Minicurso Saber Ouvir, direcionando à 5.200 escolas da rede estadual de ensino.  

Todas essas ações estão em sintonia com as práticas e diretrizes da Unicef, cuja principal estratégia é dar voz às crianças e adolescentes para garantir seus direitos de proteção à vida.   Em 2020 este órgão da ONU empreendeu juntamente com o CAMP Rio Branco, de São Vicente, a formação remota de jovens multiplicadores por meio do Minicurso Saber Ouvir.


ADULTOS E JOVENS JUNTOS FALANDO DE PREVENÇÃO.

 


Apresentação do Minicurso Saber Ouvir no X Simpósio Internacional de Prevenção do Suicídio, em Ribeirão Preto.


O CVV foi pioneiro no atendimento de prevenção do suicídio no Brasil e também na realização de eventos de estudos e pesquisas sobre o tema, reunindo voluntários das cinco regiões do país. Os encontros foram sendo realizados sistematicamente de 1980, de forma fechada aos representantes de postos (Conselho Nacional) e, nos últimos dez anos, aberto ao público e convidados, por meio do Simpósio Internacional de Prevenção do Suicídio. 

Em 2018, na reunião do Conselho Nacional e realização do X Simpósio Internacional, realizado em Ribeirão Preto, ocorreu um encontro inédito entre adultos em jovens para trocar experiências em prevenção. No ano anterior, no encontro realizado em Belo Horizonte, o programa Estação Amizade foi citado como tendência e ação experimental inspirada do CVV, porém a presença de jovens relatando presencialmente essa experiência pode ser considerado momento histórico da prevenção do suicídio. Essa participação foi solicitada meses antes durante m evento organizado em São Paulo para lançamento de vídeos gravados por atores sobre prevenção nas escolas. 

Durante o evento a representante do Unicef, Joana Fontoura, reclamou da ausência de jovens afirmando que eles deveriam estar presentes numa reunião pública realizada em nome deles. A professora Márcia Pansarini, diretora do CAMP Rio Branco, de São Vicente, pediu a fala  e explicou que era intenção da entidade ter levado seu grupo de jovens que vinham sendo educados como multiplicadores do Minicurso Saber Ouvir, mas que não sabia se era permitido tal participação. A falha foi dos organizadores e, nessa ocasião, nós mesmos solicitamos pessoalmente aos membros do Conselho Diretor do CVV a participação desses jovens no Simpósio Internacional que seria realizado em setembro, no que fomos atendidos alguns dias depois. Essa resposta teve uma reação imediata de entusiasmo nesse pequeno grupo, que atuava na periferia de São Vicente, e que agora teria a oportunidade de mostrar seu trabalho para os voluntários do CVV e dezenas de convidados de outros segmentos da rede nacional de prevenção. Foram escolhidos apenas quatros jovens, duas garotas e dois rapazes, para apresentar o minicurso e fazer seus relatos de experiência de sofrimento emocional e psíquico. A presença deles diante de um auditório de adultos, sobretudo de voluntários, foi emocionante porque os conteúdos do minicurso inspirado nos processos seletivos do CVV são considerados complexos e de difícil assimilação pelos adultos e que, pela ótica e espontaneidade do jovens, pareceu uma abordagem muito simples e acessível, nunca experimentada nos postos. 

Essa transposição didática simplificada da experiência do CVV para o universo adolescente retornou para os voluntários por meio dos mesmos adolescentes como solução prática de uma dificuldades que vinha sendo tentada há muitos anos. O que poucos sabem que é que o minicurso foi fruto de um desafio feito ao CAMP Rio Branco para participar de uma exposição tecnológica organizada por das secretarias de prefeitura de São Vicente. Sem condições de apresentar algo radicalmente técnico, encontramos uma brecha quando lembramos que o minicurso havia sido desenvolvido também , em duas escolas, como treinamento de capacitação profissionalizante, como desenvoltura e sensibilização pessoal. Numa dessas escolas, no caso o CAMP Rio Branco, foi com a intenção de tranquilizar jovens que atuavam no atendimento ao público e que se sentiam ameaçados com a agressividade da clientela em estabelecimento da prefeitura, onde atuam como aprendizes. 

Diante desses fatos, propusemos o minicurso como tecnologia de relações humanas, uma solução prática para uma necessidade funcional de atendimento acolhedor, compreensivo e humanitário. Outro detalhe: nem todos os jovens que participam do minicurso atuam como multiplicadores didáticos, porém se beneficiam dos conteúdos educativos para aliviar suas dores e compreender melhor as dificuldades emocionais em que se encontram. Ao exporem os passos básicos da escuta, os jovens estilam a plateias de adolescentes a falar sobre solidão, ansiedade, pânico, paralisia do sono e depressão. Falam também nesses rápidos encontros de 40 a 60 minutos sobre auto-lesão e ideação suicida.

 Isso foi uma inovação desconhecida até pelo CVV, que fazia seus cursos de forma extensiva e cuja redução máxima de tempo alcançado foi de cinco dias. É claro que não foi desconsiderado o fator amadurecimento dos conceitos e práticas desses conteúdos, porém, em se tratando de jovens e educadores sem nenhum conhecimento em prevenção, este experimento foi revolucionário. Mesmo porque os conceitos abordados não são para ser pensados e discutidos como ideias e sim como sentimentos e emoções. Esse é o diferencial da experiência do CVV e cuja essência foi mantida no minicurso saber ouvir. Essa também foi a essência do encontro entre voluntários adultos e voluntários jovens ocorrido no Simpósio de Ribeirão Preto. Uma experiência inesquecível para as duas pontas da faixa etária da prevenção.


PREVENÇÃO NO AMBIENTE ESCOLAR


Os serviços de prevenção tradicionais sempre receberam pedido de ajuda de crianças e adolescentes compartilhando seus sofrimentos morais e psíquicos. A atenção dada eles nunca foi diferenciada, mesmo nos casos de denúncias de violência e abusos, como acontece também com os adultos. Entretanto, com o aumento dos casos de suicídio nessa faixa etária e a desinformação sobre como lidar com situações de risco, alguns grupos de prevenção- também surgidos nesse contexto- passaram a optar pela criação de estratégias específicas para atrair e dialogar com esse público. 

Sabendo da gravidade do problema e dos exemplos de países onde a situação tornou-se alarmante, algumas instituições que lidam diretamente crianças e adolescentes tomaram posições corajosas de enfrentamento, adotando de forma aberta todas as formas acessíveis de prevenção. Outras preferiram preservar-se e recusaram qualquer tipo de envolvimento, optando pela transferência de responsabilidade para os segmentos profissionais. Ao optar pelo enfrentamento, as primeiras buscaram experiências alternativas ou criaram elas mesmas ferramentas informais de aproximação e diálogo por meio da arte, das campanhas educativas e de solidariedade, bem como de protagonismo juvenil na prevenção. Neste último caso a ideia era substituir os especialistas e educadores na realização de palestras informativas tradicionais pela ação protagonista do público alvo, propondo que os mesmos se apropriassem deforma mais direta do tema. 

Em outras palavras, o primeiro grupo reforçava o tabu, mesmo não tendo essa intenção; e o segundo enfrentava esse obstáculo com medidas educativas de aproximação e acolhimento. Algum depois o segundo grupo cresceu em relação ao primeiro e até influiu na mudança de comportamento e ações dos que permaneciam em posição defensiva e de desconfiança. Em alguns países os próprios adolescentes passaram a organizar núcleos de encontro virtual e presencial para discutir e buscar rumos diante da perda constante de colegas por suicídio. As escolas aos poucos foram mudando sua postura dogmática de medo e tabu e passam a empreender ações preventivas estimuladas por movimentos de mobilização educativa como o Setembro Amarelo, mês dedicado  à prevenção e a data do 10 de Setembro como Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. Em várias cidades do mundo torna-se comum ver na arte de rua e performances em espaços alternativos grupos de jovens comunicando e reivindicando providências e a quebra de preconceitos que reforçam o tabu do suicídio e das situações de sofrimento mental que incomodam as novas gerações. 

As escolas atuais ainda são caracterizadas pela cultura industrial do século passado, tendo toda sua estrutura funcional fundada nos modelos das fábricas e organizações  burocráticas. É um sistema criado e desenvolvido para lidar com massas nas quais as salas possuem fileiras de carteiras sob a regência de um disciplinador. É claro que os educadores e educandos sempre dão um jeito de transgredir essas regras rígidas fazendo adaptações criativas para dar mais vivacidade no convívio e na aprendizagem. Entretanto, essas ações são sempre exceções de pouca duração e logo as coisas voltam ao normal. Essas intervenções diferenciadas é que permitem fazer novas experiências, implementar novos conceitos e provocar mudanças de comportamento. 

Os educadores definem essas experiências como  ensino “transversal”, momento  e oportunidade em que há uma quebra do processo convencional e rotineiro. E o professor é sempre um figura estratégica para operar as mudanças, seja de forma lenta, gradual ou acelerada, dependo da necessidade do momento.  A persistência no transversal deve ser permanente pois ainda estamos em fase de transição As faixas etárias estudantis vivem num ritmo de tempo barulhento e veloz, que é a dinâmica do ciclo biológico do corpo físico e a extroversão dos sentidos. A educação tradicional vê essa característica como um problema disciplinar, que precisa ser contido e até reprimido para não prejudicar a absorção de conteúdos. Nesse sentido há resultados de controle mas, por outro lado, ocorre a inibição, o deslocamento e adiamento das experiências emocionais.

 A educação atual entende de forma mais ampla que os dois aspectos podem e devem ser considerados como oportunidade de aprendizagem e mudança positiva de comportamento. Razão e emoção não são coisas incompatíveis e fazem parte da natureza humana. A hipervalorização racional da educação e do trabalho e a desvalorização dos sentimentos e emoções foi apenas uma tendência contextual e não uma marca natural da experiência humana. As equações lógico-matemáticas ocuparam durante muitas décadas o centro dos processos de ensino aprendizagem. Hoje as equações socioemocionais definem melhor o contexto e exigem novas formas de conviver e aprender. Isso leva a um questionamento sobre as prioridades de processos e conteúdos curriculares defasados e que precisam estar em sintonia com essa nova realidade. A saúde física já foi também o centro das atenções quando existiam todos as dificuldades de formação e manutenção de corpos sadios para ingressar no mercado de trabalho. 

Hoje a saúde mental já é o novo centro das atenções, em função dos novos distúrbios que interferem de forma crescente na qualidade de vida das pessoas. Ansiedade, pânico, depressão e uma lista enorme de síndromes psicológicas interferem no cotidiano das pessoas em ritmo crescente. E as escolas continuam sendo o termômetro desses distúrbios sociais. Somente uma educação aberta, transversal e socioemocional pode dar conta dessas mudanças. Em meio à rotina escolar torna-se cada vez mais necessário as intervenções que possibilitam a compreensão das equações psicológicas e o alívio e cura do sofrimento psíquico. Todos se lembram do filme Sociedade dos Poetas Mortos no qual uma classe de uma escola preparatória dos anos 1960, de frequência masculina, expõe de forma trágica os sofrimento de alguns personagens que destoam do conjunto, incluindo o professor interpretado por Robin Willians. O professor Keating era um transversor nato e foi punido por ter percebido e ajudado alunos tomados pela incerteza e pela angústia. Ali assistimos não somente a morte por suicídio do aluno Neil, mas também da sala de aula conteudista e exclusivamente lógica, frutos de uma educação que não dava respostas para as equações psicológicas.  

O PROFESSOR TRANSVERSOR

Realmente a melhor imagem que guardamos do professor educador é a do protagonista John Keating. O fator socioemocional é camuflado pela aparente frieza da cultura anglo-saxônica, mas transpira em forma de situações conflituosas vividas pelos alunos, pais e educadores. O roteiro também deixa no ar um enorme ponto de interrogação sobre as questões da vida e do destino, especificamente sobre a morte. O professor Keating é também um excelente transversor, pois despreza a todo instante a rigidez curricular e abandona a sala de aula, como uma metáfora de que ela não existe mais, não é mais essencial, como são as igrejas e templos, e que hoje já aprendemos a construir e frequentar dentro de nós mesmos. Pretexto para atingir a introspecção, esse abandono da sala levaria a muitos outros caminhos que esse filme maravilhoso narra do começo ao fim. Um desses caminhos é a incursão ao hall onde estão expostas as fotografias de turmas antigas. Ali, como num panteão em memória dos mortos, o silêncio se estabelece e Keating parte para o aliciamento espiritual dizendo que aqueles jovens das fotografias, cheios de energia e vitalidade, se transformaram em adubo para flores de sepulturas. Apesar do aparente discurso niilista, a intenção do professor era causar um impacto na mente dos alunos e deslocá-los para o sentido metafísico da vida. Sua proposta de “Carpe diem” significava aproveitar a essência da vida e não o supérfluo e o banal.

Mas o grande acontecimento do filme é a desilusão e o suicídio do aluno Neil, fato que coloca o professor na difícil condição de Sócrates, acusado de corruptor da juventude e responsável pelo grave incidente. O pai rígido e autoritário e a mãe impotente e submissa sufocaram o talento artístico e o livre arbítrio do filho. A existência de uma arma de fogo na casa deles consuma a tragédia. O fracasso da família e da Escola exige e elege um bode expiatório.

Keating é o escolhido, ingere a cicuta da traição, mas o seu trabalho transformador foi mais eficiente que o veneno da demissão, pois penetrou definitivamente nos corações dos alunos, mesmo dos covardes e traidores, que iriam carregar pelo resto de suas vidas a culpa de não terem sido leais, autênticos e corajosos. Eles não tiveram a coragem de subir nas mesas para se despedirem do Capitão e continuar olhando as coisas por outro ponto de vista.

NOSSO PLANETA, NOSSA ESCOLA

As escolas estão sofrendo as perturbações pelas quais está passando todo o planeta Terra. Por ser a síntese fiel e espelho da sociedade, elas funcionam como termômetro e vitrine de tudo o que acontece no mundo social. Nosso planeta é um organismo vivo, possui uma “Anima Mundi” e está passando por uma crise de mutação cíclica, tanto no aspecto ambiental exógeno, como na sua atmosfera psíquica, onde ocorre uma intensa luta entre forças renovadoras e forças reacionárias. Isso possui um reflexo negativo no plano social, em todas as instituições. As escolas são mais sensíveis a tais acontecimentos, por todas as características espirituais já apontadas, mas principalmente porque ela é um espaço natural de esperanças de vida e utopias de um mundo melhor. Se a vida social pode melhorar, essa possibilidade começa na escola. Essa crise de mutação planetária é muito complexa e aparentemente caótica, pois se misturam nos fatos geofísicos os elementos de uma confusão de valores, de avanços e retrocessos, vitórias e derrotas, equilíbrio e desequilíbrio, construção e destruição. Não sabemos quanto tempo tudo isso vai durar e quais os resultados dessas graves mudanças, pois nesse contexto tudo se torna instável e vulnerável. Estamos em tempo de revolução e não de reformas.

A função social da escola é muito ampla: trabalhamos incessantemente para que haja a adaptação e uma conseqüente progressão dos alunos diante das rápidas e atuais mudanças históricas.

Fazemos o papel de suporte científico e ao mesmo tempo moral, pois as transformações geram distúrbios emocionais e sofrimentos físicos nos alunos, professores e funcionários. A maioria dos pais não possui condições psicológicas, nem conhecimento para lidar com esses problemas e passam a depender da ajuda da escola, principalmente dos professores. Quando a rede física e a população escolar eram reduzidas esse papel de substituir a família funcionava relativamente bem, apesar de alguns abusos de autoridade. Com a explosão demográfica, ocorrida no Brasil a partir da década de 1970, aumentou absurdamente o número de alunos nas salas de aula e ocorreu também uma mudança de mentalidade e de costumes. Com a democratização da escola, os pobres não puderam ser mais expulsos ou dispensados para o trabalho infantil. Os alunos indisciplinados e limitados não puderam ser mais punidos e reprovados. Essa quebra do antigo modelo autoritário estabeleceu um ambiente libertário nas escolas, porém gerou um relaxamento das relações de autoridade e dos papéis, sem a contrapartida de uma conscientização proporcional. Para compensar esse afrouxamento moral, adotou-se uma rigidez artificial, através da legislação educacional, acentuando-se a informação intelectual em prejuízo da formação moral.

Essa situação seria acelerada com a explosão tecnológica dos anos 1990 e que atualmente se delineia na desconstrução da sala de aula e dos métodos textuais planos, através da revolução digital do hipertexto. Toda essa situação tornou a escola cada vez mais vulnerável aos distúrbios planetários, exigindo dos educadores mais dedicação e melhor desempenho em suas funções, como já vinha acontecendo em alguns setores profissionais. Nas escolas públicas essas tecnologias são praticamente inacessíveis e, mesmo assim, essas escolas continuam sendo alvo de uma demanda em massa. Todos querem estar nas escolas, mesmo que muitos deles não saibam dar valor ao conhecimento e considerem a escola como um simples lugar de convívio social, como se fosse um clube. Buscam nelas alguma coisa diferente daquilo que não encontram em casa ou que julgam ser muito importante para mudar suas vidas. Em pesquisa diagnóstica feita habitualmente nas primeiras semanas de aula, sempre solicitamos aos alunos algumas opiniões e expectativas sobre a escola, a família, o mundo e o futuro. Esta foi feita há 15 anos. A maioria manifestava uma grande esperança na instituição escolar e no trabalho dos educadores, esperando que nós enfrentemos junto com eles as suas dificuldades. Os itens que mais apareceram nas expectativas, e que transparecem claramente como carências pessoais, são esses:

 Professores que ensinem coisas para usar na vida, no mundo lá fora; diretores amigos e mais próximos; que a escola seja uma família e um lar para os alunos; mais amizade, companheirismo e menos violência; organização e limpeza; eventos: festas, comemorações, exposições, festivais, bailes; melhor qualidade na merenda; bom ensino dos professores; paciência com os alunos com dificuldades; que eles mesmos mudem de comportamento e se tornem bons alunos; que eles sofram cobranças por parte dos educadores; justiça e rigor nas avaliações, incluindo reprovações; faltas constantes dos professores ao trabalho; mais disciplina e controle das suas próprias ações; mais compreensão com o jeito de ser e a condição adolescente dos alunos.

Era um sinal evidente de que as coisas não estavam indo bem nas escolas porque havia uma grande defasagem entre o currículo tradicional e as necessidades dos alunos. Não se tratava apenas de oferecer ciência e tecnologia nas aulas, mas também a oportunidade de mudança de pontos de vista, de rumos e destinos. Existem muitos problemas e obstáculos nas escolas que a tecnologia e a ciência não conseguem detectar e atingir. São questões humanas imprevisíveis, que não podem ser antecipadas nos planejamentos e nos planos e de aula. Muitos desses obstáculos aparecem camuflados nessas opiniões e expectativas que citamos. Como sempre fomos um setor conservador, sacralizado e dogmático, demoramos mais para reconhecer os nossos limites e que também deveríamos sacudir a poeira dos escombros e reinventar a escola. Essa reinvenção, enquanto as coisas não mudam definitivamente, significa também a adoção de novos pontos de vista, a mudança do olhar para outros enfoques. Podemos  “ser inteligentes como as serpentes, porém simples como as pombas”. É claro que esses novos olhares não representam a busca de soluções miraculosas e imediatistas. A escola somos nós e não o sistema escolar. Se não podemos mudar o sistema, podemos alterar a essência natural da escola, que são os nossos pontos de vista e os nossos sentimentos.  

Certamente estamos vivendo um importante momento de crise. Todos querem saber onde vamos parar. Todos querem saber as causas e conseqüências desse desequilíbrio social no qual o Estado, a família e a escola não conseguem estabelecer um consenso sobre os rumos que devem ser tomados para reverter essa situação. Quando não há perspectiva para o futuro também não há sentido para o presente, muito menos interesse pelas referências do passado. Um bom exemplo para refletir sobre essa situação caótica são as estatísticas de suicídio entre os estudantes. O suicídio é sempre um tabu, mesmo nas escolas, onde deveria ocorrer maior abertura para tratar do assunto. Um estudo da OMS - Organização Mundial de Saúde – publicado há mais de uma década, sobre esse grave problema social (hoje classificado como item crítico de saúde pública) e causou e ainda causa espanto não somente o conteúdo do estudo, mas principalmente o fato deste ter sido elaborado especialmente para os educadores e tratado com indiferença nas escolas. Não cremos que essa indiferença seja insensibilidade dos gestores e educadores, mas o receio de lidar com o desconhecido. Eis algumas anotações sobre a nossa leitura:

“No mundo inteiro, o suicídio está entre as cinco maiores causas de morte na faixa etária de 15 a 19 anos. Em vários países ele fica como primeira ou segunda causa de morte entre meninos e meninas nessa mesma faixa etária. Sendo assim, a prevenção do suicídio entre crianças e adolescentes é de alta prioridade.

Devido ao fato de em muitas regiões e países a maioria dos adolescentes dessa idade freqüentarem a escola, este parece ser um excelente local para desenvolvermos a prevenção”.

“Atualmente, o suicídio entre crianças menores de 15 anos é incomum e raro até antes dos 12 anos. A maioria dos suicídios ocorre entre as crianças maiores de 14 anos, principalmente no início da adolescência.

Porém, em alguns países está ocorrendo um aumento alarmante nos suicídios entre crianças menores de 15 anos, bem como na faixa etária dos 15 aos 19 anos”.

“Os métodos de suicídio variam entre países. Em alguns países, por exemplo, o uso de pesticidas é um método comum de suicídio, contudo, em outros, intoxicação com medicamentos e gases liberados por carros e o uso de armas são mais freqüentes. Meninos morrem muito mais de suicídio que as meninas; uma razão pode ser porque eles usam métodos violentos mais freqüentemente que as meninas para cometer suicídio, como enforcamento, armas de fogo e explosivos. Entretanto, em alguns países o suicídio é mais freqüente entre meninas entre 15 e 19 anos que entre meninos da mesma idade. Nas últimas décadas a proporção de meninas usando métodos violentos tem aumentado”.

“Reconhecer uma pessoa jovem em sofrimento, que precisa de ajuda, normalmente não é o problema.

Saber como reagir e responder frente a crianças e adolescentes suicidas é muito mais difícil. Alguns funcionários de escolas têm aprendido a lidar com o sofrimento e com os estudantes suicidas através da sensibilidade e do respeito, enquanto outros não. As habilidades deste último grupo devem ser aprimoradas. O equilíbrio a ser alcançado no contato com o estudante suicida está em algum ponto entre a distância e a proximidade, e entre empatia e respeito”.

Respeito e empatia não são técnicas profissionais especializadas da medicina ou da psicologia. São atitudes humanas comuns, de pessoa para pessoa. São posturas desprovidas de receio e preconceito, necessárias em qualquer relação interpessoal. Professores empáticos e respeitosos despertam a confiança nos alunos e estes, percebendo a disponibilidade natural e o interesse sincero pelas suas dificuldades, muitas vezes desistem de planos sinistros de autodestruição pelo suicídio ou destruição dos outros, pela violência homicida. Estar disponível para ouvir e compreender não significa assumir a responsabilidade de resolver os problemas dos outros. As pessoas que pedem ajuda têm consciência de que elas é que devem tomar decisões sobre seus problemas e quando buscam alguém para conversar só querem compartilhar seus sentimentos. Não é preciso ter medo de lidar com essas situações limites. Pior é se omitir, alegando despreparo.

MUDANDO O FOCO E O PERCURSO

Existe uma crença de que somente alguns segmentos da área de saúde  são autossuficientes e exclusivos na abordagem e solução do problema do suicídio. Mito. O voluntariado como ação humanitária histórica da prevenção  é prova disso. Se esta é uma questão existencial e um problema multifatorial e socialmente dinâmico, outros segmentos como a educação, a filosofia, a arte e a sociologia têm a mesma importância e função no estudo e prática da sua prevenção e tratamento.  Nenhum segmento isoladamente têm sido eficiente o bastante para conhecer e conter o crescimento do suicídio e por isso participam de iniciativas conjuntas nesse sentido, como os planos nacionais de prevenção. 

Muitos educadores, como  outros segmentos,  acreditam que não devem e não são capazes de atuar nesse campo, alegando despreparo. Mito também. A prevenção e solução do problema do suicídio é tarefa multifacetária e só enriquece quando tem a participação da diversidade de experiências humanas. A primeira e mais conhecida delas, como vimos, descobriu que a atuação colaborativa voluntária de pessoas comuns mudou radicalmente a abordagem em prevenção do suicídio. O simples ato de ouvir uma pessoa em meio a uma crise emocional, alivia o sofrimento psíquico e reverte o risco de suicídio. 

Portanto, prevenção não se trata de disputa de conhecimento e exclusivismo de atuação de segmentos corporativos. A questão é humana e, num primeiro momento, deve contar com as todas ferramentas e recursos possíveis de ajuda e apoio. 

Os planos coletivos de diversidade de abordagem de prevenção do suicídio têm reduzido sistematicamente os números do suicídio no mundo inteiro. No início da década de 2.000 as estatísticas apontavam 1 milhão de ocorrências por ano. Depois da adoção dos planos nacionais os  números baixaram para 850 mil. 

Por outro lado, também houve mudanças circunstanciais preocupantes: as ocorrências entre criança e jovens aumentaram. Durante e depois da pandemia os números cresceram genericamente e houve aumento de caso de suicídio de meninas adolescentes. Isso implica em novos estudos e ações emergências de abordagens preventivas. Uma dessas estratégias é permitir que os próprios jovens conversem  entre si –pela escuta solidária-  e se apoiem diante dos seus problemas e dificuldades. Não é uma prática muito convencional, mas pode ser colocada em prática em ambientes seguros e organizados. Outra descoberta e constatação de uma verdade antiga antes somente percebida e aceita entre adultos:  jovens sobreviventes do suicídio,  bem como todos que passam por transtornos emocionais, podem se beneficiarem e tornarem-se excelentes multiplicadores das ações preventivas. É um treinamento simples e eficiente, apesar das limitações naturais, que tem sido realizado experimentalmente  em várias escolas e que podem resultar em mudança positivas. 

A experiência dos Samaritanos na Inglaterra tornou-se uma referência mundial exatamente porque rompeu esse paradigma de exclusividade de atuação; também porque descobriu e ampliou a prática da abordagem simples da escuta solidária, simples e muito próxima dos atendidos. Essa prática jamais seria possível num ambiente formal cujos procedimentos funcionais esbarram em muitos obstáculos de organização.  A escuta solidária funciona melhor e cumpre o seu papel humano quando são deixadas de lado todas as formas de intervenção diretiva no comportamento de que pede ajuda. A ideia salvacionista, por exemplo, é prejudicial à prevenção do suicídio porque é diretiva e quase nunca leva em consideração a capacidade de aprendizagem e autodirecionamento de quem está vivendo esse problema. 

Esta foi a grande descoberta dos Samaritanos: abandonar o salvacionismo e não se preocupar com outras formas de intervenção que caracterizam o repúdio ao comportamento suicida e opção pelas fórmulas tradicionais de repressão de conduta e uso de remédios como única e possíveis soluções. Julgamento e condenação não combinam com prevenção, em hipótese alguma.  Essa mentalidade salvacionista, diretiva e interventora já mudou muito mas essa mudança ainda não é uma postura suficientemente aceitável em nossa cultura imediatista e pouco compreensiva. Prevenção do suicídio, como outras formas de prevenção, é um processo de mudança de comportamento. Portanto, é um assunto educativo e que também não é monopólio e exclusividade dos educadores. Mesmo porque  o ensino e a educação é a base de conhecimento e atuação de todos os segmentos sociais. Isso significa que prevenção é essencialmente educação. Todos os segmentos precisam passar por esse processo de mudança. As escolas são a base dessa pirâmide.

Mas a experiência de prevenção no universo da educação não fica restrita a abordagem isolada dos profissionais e dos voluntários. Atualmente existem experiências que vão além e  desmistificam esse assunto. O crescimento do suicídio infantil e na adolescência em níveis assustadores levaram alguns grupos a empreender ações preventivas ousadas e totalmente diferentes das tradicionais, quase sempre marcadas pelo medo e pelos preconceitos, incluindo o da exclusividade de abordagem.   Crianças e jovens podem e devem fazer prevenção do suicídio entre seus pares e isso não depende da autorização e supervisão de adultos, quase sempre baseada nos excessos de cuidados e fuga de responsabilidade. Essa prevenção é possível porque é essencialmente educativa, é humana e simples. Talvez isso assuste e incomode, mas é real o fato de que seres humanos, em situação de igualdade espontânea se apoiem e até se curem de sofrimentos mentais que levariam um tempo inaceitável se fossem feitos pelas vias formais de atendimento. Prevenção deve ser uma prática que antecede a todos os tipos de abordagem. É uma obviedade que não tem sido respeitada porque nem todos os segmentos e pessoas têm interesse nessa prática e na aprendizagem da mesma. Resultado: adotam a negação ou a fuga, empurrando a responsabilidade para outras esferas. Escolas são ambientes naturais de prevenção. Alunos e professores, mesmo ignorando e não confiando em suas potencialidades educativas, podem ser ótimas ferramentas de prevenção nas escolas. A participação de outros segmentos nesse processo é um complemento, se necessário, da prevenção. Não podemos mais inverter essa ordem. 

Bate-papo com jovens  do campus da UNESP-São Vicente-SP em 2018. Pedido de ajuda e, como ferramenta social universitária, a formação espontânea de um coletivo de saúde emocional. 


A maioria dos jovens em idade escolar, sobretudo das escolas públicas, não podem contar com os pais nesses processos de ajuda. Nas escolas privadas a participação dos pais muitas vezes também não é possível e a ajuda profissional próxima também não tem sido satisfatória. Recentemente uma onda de suicídios em uma reconhecida escola  particular de São Paulo levou a direção a mudar de postura e também de  rumo na busca de ajuda: procurou um dos fundadores do CVV para fazer um palestra para pais e alunos. Como se vê, acertaram na atitude de mudar, mas continuaram errando na forma de abordagem. O convidado aceitou o convite, porém alertou: “Não entendo nada de suicídio e não vou falar sobre isso. Eu entendo de sofrimento. Sei como é o sofrimento pelo qual passa alguém que pensa em suicídio. Disso eu posso falar ”. O recado foi dado e a palestra foi apenas pretexto e o primeiro passo de outras ações educativas imediatas e que, quase sempre, não são colocadas em prática. Uma escola que passa pela experiência de suicídio de alunos e que apenas convoca uma palestra para acalmar os ânimos e depois coloca o assunto na gaveta do esquecimento age com a mais absoluta falta de respeito com a vida humana. Retrocede ao ponto zero e diz “não” para a prevenção. Uma escola que só fala e prevenção quando acontece uma fatalidade ou usa o Setembro Amarelo somente como eventos aparência visual e superficial também está voltando ao ponto zero e perpetuando a ignorância sobre esse tema. 

TABÚ : QUEM DEVE MUDAR PRIMEIRO?

O suicídio continua sendo um tabu, assunto não recomendável e até proibido nas escolas. Por isso ainda é tabu em quase todos os lugares.  Triste e lamentável, mas acontece não só com o suicídio mas também com outros temas incômodos.  Isso revela que o grande obstáculo da prevenção é a formação de educandos e educadores. Essa formação não pode mais acontecer com base nas diferenças sociais entre que ensina e quem aprende. Entre quem manda e quem obedece. A postura dogmática, salvacionista, negacionista, autoritária e diretiva é desastrosa na prevenção. É repressão e imposição. 

O caminho deve ser inverso e precisa ser aprendido e apropriado por alunos e professores.  Não há diferença de papéis entre quem precisa de ajuda e que pode e deve oferecer. O papel da igualdade deve ser sempre reforçado para desapareça o papel da diferença, que o da formalidade e da distância entre as pessoas. Ouvir é o papel ideal do processo de ajuda: Aproximação, aceitação, compreensão e respeito são os pilares da abordagem preventiva. São as bases da prevenção e da proteção.

Não é uma tarefa fácil. 

É uma aprendizagem que exige mudança de pensamento e comportamento. 

Não um processo apenas intelectual. 

É uma mudança de postura e por isso causa ameaça e insegurança à primeira vista. Com a absorção de informações básica e práticas simples, a mudança vai acontecendo naturalmente.  O medo causador das posturas de rejeição, negação e antipatia  vai sendo substituído  gradualmente pela boa vontade, simpatia até atingir o necessário nível da empatia, que é se colocar no lugar do outro. Não fácil, mas não é impossível. Se aproximar e ouvir quantas vezes for necessário. Aceitar em todas as situações. Compreender constantemente. Respeitar sempre.   

EXPERIÊNCIAS NA PINACOTECA

Pelos espaços internos da Pinacoteca do Estado de São Paulo frequentemente encontramos grupos de jovens circulando pelos corredores observando os quadros, acompanhados por educadores. Uns em silêncio, outros com certa euforia; e ainda outros complemente indiferentes diante daquelas representações pictóricas em diversos estilos. 

Em uma dessas excursões, um dos educadores passa por duas experiências curiosas e instigantes. Na primeira ele está fotografando uma pequena aula dada pela guia do museu aos seus alunos. Eles estão sentados no chão em frente à estátua da poetisa Francisca Júlia, obra monumental do escultor Victor Brecheret. Nem a guia nem os alunos se deram conta do significado dessa obra e de quem se tratava. Francisca Júlia havia se matado em 1920, no mesmo dia da morte do seu marido, causando uma grande comoção entre seus admiradores. A estátua havia sido feita originalmente como ornamento fúnebre e permaneceu por longos anos no túmulo da poetisa no cemitério São Paulo, na capital paulista, até que fosse retirada, restaurada e colocada em destaque na Pinacoteca.

Num outro momento o mesmo educador se depara com um quadro aparentemente comum, pelo qual a maioria passa sem perceber seu conteúdo. Trata-se de um óleo sobre tela, relativamente grande e solitário na parede branca do museu. No pequeno cartão de identificação da obra lê-se nos dados técnicos e suas dimensões (97 X 185) e também seu título e autor: “Fim de romance”, Antônio Parreiras, 1912. 

Vendo que o educador permanece estático por um longo tempo, alguns alunos se aproximam para interrogá-lo sobre o seu demorado interesse pela obra. Ele se vira e não diz nada, apenas convida com os olhos para que seus alunos observem a pintura e cheguem à suas próprias conclusões. 

Somente após perceberem alguns detalhes é que são tomados de certo espanto e manifestam, surpresos, suas opiniões sobre o que viram. 

Ali nasce com o professor e os alunos uma pequena roda de conversa sobre o que se passou e como deve ter sido o turbilhão de emoções que tomou daquele personagem retratado. 


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O LIVRO QUE DEU VIDA  AO PROGRAMA



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